A Igreja perseguida e o chamado de Deus

 
por Marcia B. Mendes

Leio sobre a igreja perseguida e me entristeço.  Reflito na crueldade que recai sobre homens, mulheres e crianças por confessarem sua fé em Deus através de Jesus.   Tanto no oriente, quanto na África os assassinatos acontecem com brutalidade jamais vista, e os números são alarmantes.  Penso na liberdade que tenho em professar minha fé; na liberdade que tenho em me dedicar ao serviço apostólico; na liberdade que tenho em poder ler abertamente minha Bíblia e me alimentar da palavra do meu Senhor.  Sou livre para adorar e para louvar; para engrandecer seu nome, para espelhar-me no redentor.  Sinto-me privilegiada por experimentar a graça de Deus por meio do Cristo Jesus e, em contrapartida, percebo meu constrangimento diante do amor desse Deus tão real quanto vivo.

O Deus apresentado por Jesus vem a meu e a seu encontro com um chamado único: Amar.

O Deus-Aba, como Jesus nos ensinou a chamá-lo, não quer ser conhecido como um Deus teocrático a serviço de representantes de sistemas totalitários que de forma ímpia e ateísta usurpam-lhe o lugar de supremo juiz.  Nosso Deus não quer ser representante de nenhuma ditadura opressora reconhecida por uma disciplina incondicional da lei e da ordem tosca de governantes eclesiais brutais, detentores de doutrinas fundamentalistas. Nosso Deus não pode ser o criado à imagem de tiranos, de hierarcas arbitrários e opressores. Nosso Deus não oprime, não castiga, não persegue. Diversamente, nosso Deus nos ama tanto que por misericórdia e graça nos entregou seu Filho unigênito para que através dele saíssemos da lógica da morte e adentrássemos a lógica crística da vida.  Jesus nos deu vida e vida abundante.  

Não, queridos, nosso Deus nada nos pede, ao contrário, nos dá na medida certa do bom Pai. Não nos oprime, nos eleva; não nos fere, nos cura; não nos condena, nos liberta de todo castigo e de todo mal, pois a Sua graça faz prevalecer a justiça.  Deus nos separou para sermos sal, não insípidos.  Nosso reino não é deste mundo, porém fomos chamados para vivermos aqui como luzeiros.

Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte; Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa. Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.  Mt 5 13-16

Certamente, nosso Deus jamais quis ser um Deus temido como o descrito por Marx, Nietzsche, Engels ou mesmo Freud: um Deus que assusta, que faz despertar em nós a culpa brotada por atitudes moralizantes fruto de projeções humanas, de fobias, de ambições e de desejos de vingança.  Seus filósofos-críticos nunca O compreenderam. Nem tampouco compreenderam sua mensagem através dos séculos.  Nosso Deus não pode ser forjado nem pela ortodoxia, nem pelo dogmatismo. Nosso Deus-Pai não é fruto de uma construção humana como as religiões o são. Nem é o Deus dos dominadores ou se trata de uma
divindade que tem sua gênese no superego mundano. Não! Nosso Deus é diferente. Jesus se antecipou a todo o iluminismo filosófico e nos deu a perfeita metáfora do Deus-Pai.  

E eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo. Mt 3.17

É somente por meio do Filho amado, em quem o Pai se comprouve, que podemos acessar esse Deus de amor e cultivar uma espiritualidade capaz de ir além dos contornos e delimitações que alguns têm a pretensão de impor.  O Cristo nos redime e seu evangelho nos inspira, nos provoca, nos dá ânimo exatamente por ser vivo, real e novo. Sim, Jesus desvela as projeções ilusórias da infância do crente, nos liberta de rituais de coerções, nos cura do complexo de culpa impingido por um pai que castiga.  De uma maneira econômica, Jesus nos incita a despirmos as vestes dos conceitos envelhecidos e, nos apresenta Seu Pai como o Pai Nosso, o Deus-Pai que nos ama incondicionalmente.  E isso é maravilhoso!

Jesus veio com uma nova proposta e nos trouxe vinho novo para que seja despejado em odres novos a fim de que ambos sejam conservados.  Um Deus novo capaz de se desligar de sua própria Lei. Um Deus não de "cultuadores", mas de adoradores. Um Deus escandalosamente bom que atrai para si transgressores que queiram ser modificados por sua imensa misericórdia, por sua maravilhosa graça e por sua palavra viva. Palavra esta que é um corte epistemológico em antigos conceitos, ideias e premissas.

O Cristo nos incita a olhar para fora e vermos um novo horizonte.  Uma dimensão onde caiba um Deus que nos salte aos olhos.  Um Deus-Pai que nos chama a conhecê-lo em intimidade. Um Deus que quer derrubar todas as barreiras que serviriam de anteparo a Ele e ao seu amor.  Um Deus que quer mover nossos moinhos.  Um Deus que nos desafia a quebrar moldes e a nutrir uma vida espiritual que não caiba em dogmas, ritos ou tabus. Um Deus que age e que quer que ajamos também a fim de que tenhamos nós mesmos a mente de Cristo e a disposição para assumirmos responsabilidades no discipulado, com a certeza que o ministério que nada custa, nada realiza.

Acerca do qual três vezes orei ao Senhor para que se desviasse de mim. E disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo. Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte.   2 Cor 12.8-10

Novamente penso nos meus irmãos tão maltratados. Sou cristã, reafirmo com veemência. Recebo de Deus sua preciosa graça, mas não concebo tirar meus olhos de sua cruz.  Volto-me, ainda uma vez, à igreja perseguida.  Com a mente povoada por imagens de perversidade, oro.  O mal está diante de mim, está diante de você, está claro diante de nós.  Como calarmo-nos?   Bonhoeffer disse algo que jamais esqueço: "o silêncio diante do mal é o próprio mal".  A oração é meu remédio, meu refrigério, meu alento. Sinto-me impotente e imagino que meus irmãos cristãos perseguidos lembraram de Paulo e foram fortes em Cristo.  Fortes o suficiente para confessaram sua fé. Morreram mártires da igreja.  Tinham todos a mente de Cristo. Imagino que sofreram com a mesma dignidade dos apóstolos martirizados.

Em nada estejais intimidados pelos adversários. Pois o que é para eles prova evidente de perdição é, para vós outros, de salvação, e isto da parte de Deus. Fp 1.28

Diante de tudo isso, não tenho mais minhas velhas convicções. Minha única certeza é Cristo. Antigas roupas não me cabem mais. Não há mais sentido nelas.   Sou cristã, confesso com ardor. E que seja para Deus toda honra e toda glória.  Contudo, gostaria de pedir a todos que guardam na essência de seus espíritos a Cruz de Cristo, que orem pelos tempos e pelo caos do mundo. 

Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai. Fp. 2.9-11