
Graça e esforço
“Assim, no dia de Cristo eu me orgulharei de não ter corrido nem me esforçado inutilmente”
Paulo, apóstolo (Fp 2.16b)
por Delmo Fonseca
O reino de Deus também pode ser compreendido como uma dimensão espiritual em que paz, alegria e justiça formam uma tríade sem a qual a vida deixaria de ter harmonia. A paz, neste caso, significando um coração confiante apesar dos problemas e não ausência de problemas; alegria como força que vem de Deus e não como resultado de uma vida materialmente confortável; justiça como sinônimo de retidão e não apenas como reparação de danos. “Porquanto o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Rm 14.17).
O acesso ao reino de Deus, isto é, à dimensão da justiça-paz-alegria, não se dá sem esforço. Há obstáculos a serem superados, tais como o medo e a indolência, por exemplo. O medo é a antítese da fé, pois causa paralisia, faz o crente naufragar (vide o caso do apóstolo Pedro ao titubear no momento em que andava sobre as águas). A indolência leva a um comodismo em que o crente confunde milagre com mágica. A Bíblia mostra que até mesmo o milagre é acompanhado de um esforço. A fé sem esforço é morta. Lembra de Naamã, o comandante do exército sírio? (2Rs 5.1). Para se curar de uma lepra e receber o milagre intermediado pelo profeta Eliseu, Naamã teve que se esforçar. Esse esforço se traduziu em sete mergulhos no rio Jordão. Ao fim ele foi curado. Houve mérito por parte de Naamã? De forma alguma. Houve fé mediante um esforço.
Quando se confunde esforço com mérito, duas coisas podem acontecer. De um lado há o risco de se prevalecer a negligência, pois o esforço é tido como obra da lei mosaica e nada ser feito por estarmos no tempo da graça, ou há o risco de se buscar, por meio de ordenanças rudimentares, o favor de Deus. Nesse caso a bênção do Senhor deixaria de ser graça e passaria a ser retribuição, honra ao mérito. "Porquanto, se é pela graça, já não o é mais pelas obras; caso fosse, a graça deixaria de ser graça" (Rm 11.6).
Outro engano a que podemos incorrer é pensarmos que para se viver pela graça não há necessidade de esforço. Ora, se o justo vive pela fé e esta nos impulsiona a permanecermos firme na graça, como desenvolver esta fé sem esforço? “Todavia, o meu justo viverá pela fé; e: Se retroceder, nele não se compraz a minha alma. Nós, porém, não somos daqueles que retrocedem para a perdição, somos, entretanto, da fé, para a conservação da alma” (Hb 10.38e39). Se antes todos os que se esforçavam para cumprir a lei de Moisés podiam se orgulhar de seus méritos, hoje o esforço é para viver pela fé, que é dom de Deus. Fé que nos leva a viver crendo na suficiência da graça de Deus. "Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie." (Ef 2.8e9).
Ainda que estejamos expostos a um mundo mau, cheio de violência, nos esforçamos para estarmos a salvos pela graça de Deus. Isso requer fé. Por esta razão escolhemos crer num Deus de amor, um Deus que não faz tudo que poderia fazer e sim tudo o que seu grande amor pode fazer. E este amor foi provado na cruz. Por meio dele recebemos toda a graça, temos acesso ao reino, à tríade justiça-paz-alegria. No entanto, é preciso reconhecermos que sem esforço não desenvolvemos a fé e com isso retrocedemos. E Deus não se compraz nos que retrocedem, nos que não medem esforços para permanecerem no caminho da graça. “Ora, é para esse fim que labutamos e nos esforçamos sobremodo, porquanto temos posto a nossa esperança no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, especialmente dos fiéis” (1Tm 4:10).